O artigo apresenta e analisa críticas feministas à acomodação entre a valorização liberal da livre-escolha dos indivíduos e as desigualdades materiais e simbólicas que restringem a autonomia individual. O foco da análise apresentada é, primeiramente, a crítica à noção de consentimento voluntário que é base fundamental para o liberalismo. Para expor a insuficiência da dualidade liberal entre coerção e livre-escolha para a análise das fronteiras entre consentimento voluntário e recusa, o artigo discute as relações entre consentimento e estupro. Torna-se possível, assim, analisar as conexões entre o consentimento na vida cotidiana e o consentimento no estado liberal-democrático, tomando como ponto de partida as relações de gênero e as formas de vulnerabilidade associadas à posição social das mulheres. O resultado é o deslocamento do foco da análise, do caráter voluntário da expressão de uma preferência ou da realização de uma escolha, para uma abordagem orientada pela autodeterminação como valor prioritário para a democracia. São destacados dois conjuntos de problemas: aqueles que emergem das situações nas quais a diferença entre consentimento e não-consentimento é anulada e, com ela, a condição de agentes morais daquelas que consentem ou deixam de consentir e aqueles que são expostos pela análise das situações em que há consentimento, mas este conduz à subordinação ou reforça a vulnerabilidade do próprio indivíduo.
The text presents and analyses feminist critics to the adjustments between the liberal value of individual free-choice and material and symbolic iniquities that restrain individual autonomy. The focus is primarily a critical analysis of voluntary consent, a basic notion to liberalism. The aspects related to consent and rape are discussed to expose the limits of the liberal duality between coertion and free-choice. Departing from gender relations and the vulnerabilities that concern women's social position, it is possible to have a better understanding of the connections between consent in liberal societies' day-by-day life and consent in liberal-democratic State. These analyses result in a desplacement of the focus, from the expression of preference and choice as voluntary acts, to self-determination as a primary value to democracy. Two sets of issues are, therefore, considered: those emerging from situations in which the differences between consent and non-consent are nullified - nullifying also individual's moral agency - and those emerging from situations in which consent exists, but leads to subordination or deepens individual vulnerability.